Design, kerning e política.

PUBLICADO EM 27 de agosto de 2019

Brasília, núcleo político e capital do país agora também desponta como a nova capital do design, com o título recebido da UNESCO de Cidade Criativa. Brasília mostra que além da arquitetura, o design também é foco de atração, produção e destaque mundial. Tais conquistas só foram possíveis por mérito de um único ator – o/a designer brasiliense. Há quem diga que a conquista é do governo de um ou do governo de outro, mas o que venho deixar claro é que esta luta, que nós designers travamos há muitos anos, é em defesa de nossa categoria, de mais reconhecimento da nossa profissão, em seu sentido mais amplo.

Nenhuma conquista se faz de um dia para o outro, diferentemente do que sonham os jovens atuais, o reconhecimento de uma carreira e de um trabalho digno ou premiado, só se dá com muito estudo e lapidação, e disso, os designers entendem. Entretanto, as dificuldades que sempre enfrentamos, desde a vida acadêmica até chegarmos ao mercado de trabalho, nos faz superar como se fôssemos os SUVs dos profissionais. Aqueles que passam por cima das angústias, decepções e incertezas como se fossem um belo asfalto liso e novo.

Quem nunca fez a brincadeira sobre o sobrinho “designer” que aparentemente faz o mesmo serviço que você, ou sobre os “micreiros”? Se você não esteve do lado incomodado, com certeza não é um designer. Quem nunca leu um edital inteiro e se deparou com apenas uma vaga para o serviço público, na qual claramente as atribuições eram de competência de um profissional do design e, ao final, a exigência era de títulos de comunicação, marketing ou até mesmo arquitetura? Assim como os médicos, que sempre fazem uma avaliação ou rápido diagnóstico durante as reuniões de família, que designer nunca fez um cartão de visita, um site ou até mesmo a marca para aquele empreendimento da tia ou do amigo?

Pois é, sempre solícitos e preparados para fazer o que mais sabemos – resolver problemas e desafios, os profissionais da área abriram os olhos e por meio de iniciativas como a hashtag #smartcities e resolveram melhorar a forma como a sociedade e o mercado os veem.

Uma das convicções que sempre tive é que ao transitar por tantas áreas e disciplinas os profissionais de nossa área se mostram sempre pessoas completas e cheias de multi-conhecimentos, pessoas multitasks, pessoas que sabem lidar com as dificuldades, com clientes difíceis, com produções deficientes, com orçamentos apertados. A criatividade sempre foi nossa aliada na busca dessas soluções. E sempre seguimos tendo de saber sobre as novidades, sobre os últimos gadgets, sobre a vida e sobre tudo mais, afinal somos nós que transmitimos o sentimento dos produtos, somos nós que conversamos e criamos a conexão que te dá aquele estalo que faz você gostar de uma coisa em detrimento à outra. Sim somos nós, prazer, somos designers.

Aparentemente, grande parte da população brasileira e também de Brasília começou somente agora a se atentar à nossa categoria (ainda não sei até que certo ponto isso pode ser bom). Explico-me a seguir, afinal de contas, onde estavam esses criativos durante todo este tempo? Estaríamos enterrados junto com as cigarras?

Não. Estávamos lutando e trabalhando pelo que mais amamos. E porque fico atento e até meio ressabiado ao dizer tudo isso? Porque pessoas como os designers são pessoas valiosas e valorosas. E com todos esses holofotes voltados para a nossa turma, começo a pensar que, como diria Chico Science: “Porque desorganizando posso me organizar”. Sim, da mesma forma que somos bons em resolver e solucionar problemas, muito de nós têm problemas organizacionais, muito talvez por déficit com a metodologia herdada de outros países e traduzidas por professores estrangeiros ou somente aquela desorganização habitual e também costumeira dos artistas.

E qual o meu medo com tudo isso? O espaço em branco. O kerning humano e organizacional que causa aquele buraco horroroso que será preenchido pelo cérebro com um questionamento e aquela sobrancelha arqueada que sabe que ali tem algo errado. E assim como o espaçamento das letras, a minha metáfora se faz ao ver que espaços em branco têm sido preenchidos justamente por pessoas que não são designers. Desde a citação dos cargos públicos, que falei no início do texto, até a organização de eventos. Estas lacunas vêm sendo ocupadas por outros atores. Resta saber se esse fenômeno ocorre porque estamos errando também nesse conceito ou não estamos nos organizando e nos unindo para tal. Mas isso é realmente um problema? Ao meu ver, não. A menos que estas pessoas também saibam e entendam sobre todo o processo e sobre tudo que viemos fazendo até aqui.

Restam questionamentos; seremos somente usados para que o mérito e o sucesso sejam de nossos clientes? Esse sempre foi um drama e uma antítese pois, afinal, o sucesso de nosso cliente também não seria o nosso próprio sucesso? Peço aqui mais uma reflexão, pois o nosso mérito não precisa de atravessador quando o assunto é a nossa classe. Ninguém além de nós mesmos se preocupará com isso.

Trabalhamos, conversamos e entendemos os diversos ramos, trabalhos e clientes mas quando a questão é nós mesmo eu não vejo uma organização para que sejamos valorizados. Dentre as últimas tentativas uma foi vetada por uma ex-presidenta e a outra apresentada por uma pessoa que não nos representa e que achou um desses buracos que deixamos para trás. Então como solucionar isso? Eu não sei, mas tenho um palpite e, pasmem, ele passa pelo desenvolvimento do pensamento político de todos nós, designers. Político? Sim, político! Quer classe que mais se preocupa com eles mesmos do que os políticos? Votam os próprios aumentos de salários, os próprios benefícios, criam mais cargos e gastos para incluir mais gente aos seus projetos e tudo isso ainda fingindo que estão agradando o cliente que somos nós a população.

Temos que ser mais políticos em nossas atuações, temos que pensar mais sobre a política, de forma geral, e em como ela diretamente nos afeta. Temos que nos engajar e cobrar mais, para somente assim sermos ouvidos. Apenas por este caminho passaremos a fazer parte da parcela da população que não será descartada na primeira crise que aparecer.

Se aumentarmos em 1% o pensamento coletivo e político de nossa classe com certeza veremos um salto expressivo em nossa qualidade de vida e de representatividade. E digo tudo isso não somente por uma ideia que me veio à cabeça nas horas faltantes para entregar esse texto, mas sim por uma percepção que vi nascer nas eleições do ex-presidente Obama e a bela junção de designers por um movimento que elegeu o primeiro presidente negro dos EUA. Digo isso por ver nascer um movimento no Brasil de união dos designers para pensar e fazer política com as armas que temos, o #designativista. Digo isso, por ver que cada vez mais os amigos designers pararam de torcer o nariz quando o tema é política e digo isso ainda por realmente acreditar que a mudança que queremos e que está por vir passa pelas mãos de um designer.

Quando fui presidente do C.A de Desenho Industrial na UnB lá pelos idos de 2004 – 2006, eu já buscava uma união participativa. Sempre acreditei no potencial de pessoas que possuem conhecimentos tão específicos como os nossos. E hoje, ao ver tanta gente pensando e fazendo design voltado para a cidade, pensando na população, pensando em sustentabilidade, eu tenho a certeza que eu estava certo. Mas não sou um mago da adivinhação e agora me deparo e travo (pãn) ao tentar pensar os próximos passos e em como podemos fazer isso.

Uma das poucas certezas que tenho é que a união, afinal, em torno de um tema tão complexo e tão amplo só pode ser gerido por muitos atores, e aqui já cito mais uma ação inovadora e que Brasília sai na frente com a amarra de amor de todas as associações de designers da cidade que já estão em processo de organização e diálogo.

Não sei o que vai acontecer e quais serão as cenas dos próximos capítulos, mas eu sei que dessa amarra é que surgirá algo que será escrito nos anais de nossa cidade por meio da turma que transformou a nossa profissão.

Assim como sempre ouvimos e sempre tivemos como referência escolas como Bauhaus, ESDI e outras, acredito que o passo inicial político do design brasileiro será dado pela Escola Brasiliense de Design e Política. Conceito que eu criei agora e que daqui alguns anos eu gostaria de reler e ver que pude contribuir e fazer parte.

E você? Daqui a alguns anos, você gostaria de ver que ajudou? De que maneira poderá ter algum protagonismo? Sabemos que o empenho e a dedicação com nossos boletos e nossas tarefas diárias nos afastam de pensarmos o todo, o coletivo, mas se você não começar a corrigir agora esse kerning que você deixou a vida inteira errado, outra pessoa vai vir e vai fazer de forma errada por você e depois não vai adiantar ficar reclamando sobre aquela arte opção horrorosa que foi a ganhadora do concurso para selecionar a “logomarca”.