A Holanda recebe 2019 com a 50ª edição de uma divertida ação de marketing.
Enquanto o Brasil sofre com os escândalos de seus laranjas políticos, a Holanda adota a cor – tradicionalmente associada à família real Oranje-Nassau – em seu uniforme de futebol e na principais festividades nacionais. Entre elas, uma recente tradição iniciada na década de 1960 ficou associada a uma bem sucedida campanha promocional identificada por um gorrinho laranja: o Mergulho do Ano Novo — em holandês, Nieuwjaarsduik.
Inspirados por um clube de natação canadense – o Polar Bear Swim Club – que desde a década de 1920 repete o feito anual, nadadores holandeses passaram a saudar o ano novo no dia primeiro de janeiro com um mergulho no gelado Mar do Norte. Em 1965 o Nieuwjaarsduik chegou à Scheveningen, um dos oito distritos da capital política do país, Den Haag, e a praia mais famosa da Holanda. O que começou com apenas oito nadadores ganhou popularidade e se tornou um evento organizado pela prefeitura para milhares de pessoas de todas as idades. Por ser o mais famoso dentre quase 200 pontos em todo o país usados por mais de 50 mil pessoas para o Nieuwjaarsduik, desde 1998 o evento em Scheveningen é patrocinado pela Unox, uma empresa de produtos alimentícios pertencente a multinacional britânica-neerlandesa Unilever. Fundada em 1937 tendo salsicha defumada e outros embutidos como seus carros chefes, desde 1957 produz sopas. Os produtos da Unox são comercializados apenas na Holanda e Bélgica, e tem nos meses frios – que não são poucos na região – suas maiores vendas.
No Nieuwjaarsduik de Scheveningen, os “mergulhadores” são identificados por um gorro laranja que recebem (junto com uma lata da sopa de 800ml) ao se inscrever para o evento — da taxa de 3€, 1€ vai para instituições de caridade — que por razões de segurança é limitado a 10.000 pessoas. O mergulho acontece pontualmente ao meio dia – este ano a temperatura da água era 7 graus centígrados – e as inscrições só são abertas uma hora e meia antes. A estrutura inclui duas tendas aquecidas – onde a maioria das pessoas espera até pouco antes da contagem regressiva -, ambulâncias com paramédicos, e um palco onde animadores – no melhor estilo micareta – vão aquecendo (com trocadilho) os participantes entoando canções típicas e comandando exercícios aeróbicos em meio a infláveis gigantes do gorrinho laranja espalhados pela praia. Maiôs, sungas, biquinis e shorts abundam mas não são os únicos trajes: no melhor estilo Halloween (uma festa que vem crescendo na Holanda como no Brasil), as pessoas vem fantasiadas como diversos personagens de desenhos animados.
Apesar de bem colorida, a festa tem no laranja sua principal referência, devido aos gorrinhos da multidão na areia, correndo ao mar e tomando cumbucas de sopa de ervilha quentinha ao saírem da água, bem como nos bondes, ônibus e bicicletas que levam os foliões – por falta de termo melhor – de volta à seus lares quentinhos. Eu participei do Nieuwjaarsduik deste ano, a 50ª edição oficial, e durante todo o dia, vi pessoas pela cidade com o gorro. Ele não é exatamente bonito, faz propaganda da marca sem nenhuma sutileza, mas se você está vestindo um deles, há uma troca cúmplice de olhares por terem compartilhado a mesma experiência.
Além deste pitoresco souvenir – que não deixa de ser útil, ao contrário da pequenina flâmula que certifica sua participação – alguns pontos em particular me chamaram atenção na ação promocional. Um deles é a construção da oportunidade de se apresentar (ou mesmo testar) um produto em uma situação extremamente favorável para que seja consumido: as pessoas estão alegres, na companhia de amigos e familiares, mas com frio e fome — problemas que a sopa soluciona. A associação é extremamente positiva, e se estende para a casa dos participantes através da lata de sopa que cada um recebe. No supermercado, o produto por si só custa cerca de 3€, o que se pagou na inscrição – ou seja, ganho de valor percebido mesmo para o holandês mais pão duro.
DICA No site da empresa https://www.unox.nl/evenementen-detail/ é possível ver todos os locais nos Países Baixos onde o mergulho acontece, além de Scheveningen – inclusive aqueles em que as pessoas pulam nuas, como Oostzaan Twiske, Nattukreek e Sauna Wellness Winterswijk.
_Imagens: Unox e Bruno Porto.
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Bruno Porto é designer gráfico, professor e consultor. Entre 2012-2017 foi coordenador do curso de Design Gráfico do Centro Universitário IESB e membro do Conselho Consultivo da Adegraf. Atuou como curador da 12ª Bienal Brasileira de Design Gráfico 2017, corealizada pela ADG Brasil e Adegraf em Brasília, e integrou o Colegiado Setorial de Design da Secretaria de Cultura do Distrito Federal (2014-2017). É membro do Conselho Consultivo da ADG Brasil e do GIBI – Grupo de Estudos de História em Quadrinhos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília – UnB. Atualmente vive na Haia, Holanda.