Na Holanda, uma das maiores coleções particulares de automóveis do mundo está repleta de histórias e lições de design e marketing.
Em 1934, o revendedor de carros importados Pieter Louwman comprou um Dodge 1914 e não parou mais. Agora sob a guarda de seu filho Evert, a coleção de mais de 250 carros é o principal chamariz do Louwman Museum (antigo Nationaal Automobiel Museum), localizado na saída da Haia, na Holanda, ao lado da residência da Princesa Beatrix, que o inagurou em 2010.
Alojada em um largo e singular prédio de três andares – que se assemelha a uma fábrica cercada por um belo parque – com mais de 10.000 m² de espaços expositivos, a coleção não se restringe apenas à automóveis. O museu possui uma seleção de motocicletas, bicicletas, carruagens (lembrando que a Holanda possui uma monarquia que ainda usa este tipo de veículo com frequência) e outros meios de transporte, como réplicas do avião Spyker Farman HF-20 de 1913 e da cabine de um zeppelin. Alguns veículos estão mantidos em seu estado original, outros são exemplares únicos, e outros foram restaurados, criando uma curiosa e complementar experiência para os visitantes. É a maior coleção de automóveis pré-década de 1910 do mundo, começando com um De Dion Bouton de 1887, e indo até o Toyota Prius híbrido de 2004, movido a gasolina e electricidade, passando por carros que pertenceram a celebridades – como o cantor Elvis Presley, o primeiro ministro inglês Winston Churchill e o ator Steve McQueen – ou que foram usados em filmes como O Poderoso Chefão, Genevieve e 007 Goldfinger, entre outros. Há seções dedicadas a carros a vapor, microcarros, carros elétricos, carros de todos os tipos de corrida, carros-conceito, veículos militares e de luxo. A maior parte do acervo pode ser conferida no site do museu.
Aficionados por carros à parte, o museu é extremamente interessante para designers, mesmo aqueles que não ligam para assuntos automobilísticos. Além dos veículos, estão expostos centenas de produtos relacionados ao tema, de bombas de gasolina, troféus, embalagens de produtos automotivos e brinquedos à placas de sinalização e publicidade, mascotes e cartazes, passando ainda por esculturas, pinturas e objetos de decoração. É possível acompanhar, por exemplo, mudanças na identidade, posicionamento e estratégias promocionais de empresas como a Shell, fundada na Holanda em 1907, ou as diferentes tentativas projetuais de se pilotar e controlar as “carruagens motorizadas” – de manivelas a pequenos timões horizontais – até chegarmos ao volante como conhecemos hoje. Grandes sucessos estão lado a lado com grandes fracassos, projetuais ou de negócios, a começar pelas empresas de carruagens que optaram por diversificar seus negócios e apostar nesta nova invenção. Qualquer comparação com as crises enfrentadas nas últimas décadas pelas empresas que atuam nos mercados fonográfico e editorial não será mera coincidência.
Para os designers gráficos, o segundo andar é particularmente interessante por reunir dezenas de cartazes publicitários de automóveis, salões e competições, ao lado de ilustrações e pinturas originais. Dentre estas, destaca-se a produção do inglês Frederick Gordon Crosby (1885-1943). Ilustrador da revista Autocar durante três décadas, seu trabalho reflete a emoção e o glamour que cercaram o nascimento e o desenvolvimento da indústria automotiva, incluindo competições famosas como as 24 horas de Le Mans e o Rally de Monte Carlo. Além de ilustrar carros-conceito – como o carro-barco-voador Autohydrogyro, de 1936 (abaixo) – ele é creditado como o responsável pelo design do símbolo da marca de automóveis Jaguar, no final dos anos 1930.
DICA Se você gostou do vídeo acima, vale assistir um outro um pouco mais longo, apresentado pelo diretor do museu Ronald Kooyman, em holandês. Mesmo que não se entenda nada, é possível visualizar os cuidadosos projetos arquitetônico e museuográfico com que as peças são apresentadas.
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_Imagens: Louwman Museum e Bruno Porto
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Bruno Porto é designer gráfico, professor e consultor. Entre 2012-2017 foi coordenador do curso de Design Gráfico do Centro Universitário IESB e membro do Conselho Consultivo da Adegraf. Atuou como curador da 12ª Bienal Brasileira de Design Gráfico 2017, corealizada pela ADG Brasil e Adegraf em Brasília, e integrou o Colegiado Setorial de Design da Secretaria de Cultura do Distrito Federal (2014-2017). É membro do Conselho Consultivo da ADG Brasil e do GIBI – Grupo de Estudos de História em Quadrinhos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília – UnB. Atualmente vive na Haia, Holanda.